terça-feira, 31 de julho de 2007

A Cozinha


Minha casa, que foi o meu teto durante 23 anos, é assim: um apartamento em um prédio , na rua do Futuro no mesmo bairro do Colégio São Luís, no Recife. Com 4 quartos, uma cozinha, uma sala, dois banheiros, dispensa e área de serviço e duas varandas, tudo bem grande. Na varanda da sala tem um céu maravilhoso tanto de dia quanto de noite. Mas outro dia eu falo da varanda que é o segundo lugar melhor da minha casa.
O primeiro com certeza é A COZINHA!

Eu adoro a minha cozinha, que obviamente não chega a ser predominantemente minha, porque antes de mim ela já tem 2 donos que são Mary e Deladim (sei que mamãe vai protestar). Então vou chamá-la de nossa cozinha. Nossa cozinha tem armários embutidos, muitos, que cabem de tudo um pouco. Velhos cadernos de receitas, vidrinhos, um monte de panelas e louças, tigelas de plástico e mantimentos. Tem também um fogão de 6 bocas, uma geladeira e um freezer. De modernidades só o microondas que é o substituto do antigo MICROONDAS-TV-ARMÁRIO, que desde que foi adquirido por volta de 1980 serviu para tudo, exceto para as finalidades de um microondas. Tem também uma mesa, onde cabe um monte de gente sentada em volta, muito mais gente do que parece.

O cheiro e o calor da cozinha de uma casa lembram o acolhimento que se sente num abraço daqueles, bem nutritivo. Dá pra enumerar uma infinidade de cheiros deliciosos que saem da cozinha. Cheiro de pipoca, de pão assando, de sururu, de bolo de cenoura, de brigadeiro no fogo, de tapioca e queijo coalho. Além de abrir o apetite, os cheiros trazem lembranças. E, de acordo com elas, sorrisos, lágrimas, ou a mais triste apatia. Eu lembro do cheiro da cozinha da minha avó, e da cantina do colégio que eu estudava, lembro do barulho das conversas e do peru assando no natal enquanto nos abraçávamos. Em cada pedacinho da cozinha mora uma história.

Na minha casa, a cozinha é o lugar das conversas, e o lugar onde mais falamos das coisas que sentimos ou passamos. Há uma cumplicidade natural ao entrarmos lá. É também o lugar onde todos ficamos unidos fazendo alguma coisa. Na sala, não. Tem a televisão, o sofá, a mesa, onde cada um senta-se e se distrai sozinho, ainda que estejamos próximos. Na cozinha, sempre conversamos, cantamos, rimos e choramos, há contato. É um lugar de emoções intensas, o lugar do estômago e do coração. E todo mundo lá em casa adora comer. E adora mais ainda falar (exceto eu que escuto, mais do que falo). Por isso a tal da nossa cozinha vive cheia, e sempre acesa. Sem falar que é o lugar mais iluminado de casa. Sempre que alguém quer conversar algum assunto, acabamos na cozinha. Nossos amigos sabem bem disso. Quantas vezes sentei no chão da cozinha, ali perto da despensa, para acariciar Deladim e escutar as Histórias de Mamãe e Mary, e de tantas outras pessoas que passaram por ali.

Na cozinha, lá em casa, é onde comemos também. Sentamos juntos, e ficamos conversando, fazendo piadas, recebendo nossas visitas, conhecendo as pessoas. Às vezes, é onde brigamos também, e sentimos a comida fazer um nó na garganta e descer atravessada. Comer junto é nutrição pra alma e pro corpo. E que delícia que é. Quando o calor do fogão vai descongestionando os caminhos do sentimento, fica fácil.
Lá na cozinha, que tem espaço, dá pra fazer uma porção de coisas. Recortar. Pintar. Namorar. bordar, brincar com o cachorro, Estudar. Enfim, a cozinha é um lugar muito rico. E ainda por cima, sempre tem biscoito escondido na despensa.

Foi na cozinha que chorei a morte de Tia Dutra, lembro como se fosse hoje eu, Ula e Marlisinha chorando e comendo um pote inteiro de goiabada, eu estava preocupada com Milena, minha querida amiga que tantas outras vezes eu vi dar gargalhadas nesta mesma cozinha.
Foi na cozinha que conferi o resultado positivo do vestibular e que vi mamãe praticamente esmagar o cachorro e se esborrachar no chão, cena que rendeu choro e muitas gargalhadas, na última vez em que estive em Recife! Foi nesta cozinha que várias vezes me deparei com a vizinha de camisola, com os porteiros batendo papo e tomando cerveja em dia de festa. Com papai comendo o docinho básico de cada dia, Marco Aurélio comendo aquele pratão de caminhoneiro e tia Marlise preocupada com a comida que ninguém nunca entendeu o porque das preocupações, afinal tudo o que ela toca vira manjar dos Deuses. A cozinha das cervejinhas com tia Lourdes e de outras inúmeras recordações.
E é esta cozinha de alegrias e tristezas que é o coração da minha casa, o coração junto com o cérebro que é o órgão vital do corpo e da alma.

Aí que fome me deu agora...

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